sábado, 30 de outubro de 2010

Se eu pudesse viver 100 anos

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João Cruzué

A vida é uma bênção, mesmo que por certos momentos pensemos na morte, há muito por fazer. Muitos culpam Deus pelas misérias humanas, esquecendo-se que cada um de nós fizermos parte de uma cultura individualista, egoísta, indiferente, negligente e omissa. É possível ser feliz sozinho? Eu creio que não. Olhando para um chip de computador, ali são milhões de transistores, cada um cumprindo seu papel harmonizando-se no conjunto e o apóstolo Paulo também faz uma analogia usando o corpo humano, onde Cristo é a cabeça e no qual todo corpo é bem ajustado e ligado com o auxílio de todas as juntas e segundo a operação justa de cada parte, faz o aumento do corpo para sua edificação em amor. Para viver 100 anos é preciso estar muito envolvido com as pessoas que nos cercam. De outra forma não vai valer a pena.

É apenas uma questão de tempo para que a medicina descubra terapias de anular os efeitos do "enferrujamento" que o oxigênio produz em cada célula. E a luz do sol apressa nossos dias, que são como uma sombra ligeira no relógio da eternidade. Qual será a resposta para alcançar uma vida que dure um século? A paz certamente é uma delas. Descobrir um propósito maior que faça outras pessoas felizes, outra. Foi Martin Luther King que disse que "Se um homem não descobriu ainda uma causa por que possa morrer, então não está preparado para viver. Uma causa por que pensar, insistir e lutar.

Estamos no final de outubro, a um dia da decisão pelo voto, se Dilma ou Serra guiará o país nos próximos quatro ou oito anos. Estamos observando o bradar de muitas "causas". Saúde, aborto, educação, bolsa família, petróleo, combate à corrupção... Evidentemente, ninguém pensa em morrer por elas. Políticos são mestres na arte do ilusionismo, ao dar publicidade a um evento pequeno para que outros pensem que é global. Anunciam um projeto, para que as pessoas comuns pensem que é matéria legal. É difícil ver um político atual atingir uma vida longa. Esta semana morreu Néstor Kirchner: com 60 anos de idade.

Se eu pudesse viver 100 anos, gostaria de estar envolvido em atividades inerentes ao talento natural que recebi de Deus antes de chegar à vida. Imagino que ao ficar ocupado no caminho, terei tempo de mostrar o amor de Deus em mim. Eu penso que nossos talentos são riquezas medidas em padrões de solidariedade. Amor. Compaixão. Quando eu leio São João 5, vejo Jesus atento às necessidades de um paralítico há 38 anos. Se eu pudesse viver 100 anos, gostaria de aprender mais sobre estar atento às necessidades do próximo. Mas nossos dias são diferentes,;fazemos parte de uma geração de sacerdotes e levitas e mesmo que saibamos disso, não conseguimos mais ter a compaixão do samaritano.

Se eu pudesse viver 100 anos, gostaria de me envolver mais com alfabetização e educação. O Brasil tem mais de 100 milhões de pessoas que não concluíram um ensino médio. Esta dívida de iletramento faz com quem milhões de brasileiros trabalhem mais e ganhem menos. Essa renda mal distribuída abre brechas para que o tráfico tenha mão de obra farta em meio a um exército de reserva mal remunerado.

Se eu pudesse viver 100 anos, gostaria de trabalhar integralmente como Pastor de almas. Um pastor que não pregasse tão bonito, mas que conquistasse muita intimidade com Deus. Um Pastor que abrisse portas pela oração. Um Pastor que fosse guiado pelo Espírito Santo, que todo dia não voltasse para casa sem que tivesse levado o amor e a compaixão de Deus à uma alma necessitada. Se eu pudesse viver tanto tempo, gostaria que Deus me concedesse dias em que fosse aos hospitais orar pelos enfermos. É uma verdadeira desgraça o que temos visto nos últimos dias: pessoas morrendo no meio da rua entre dois hospitais públicos, cada um dizendo que a culpa foi do outro. Há muitos lázaros morrendo nos leitos dos nosocômios, cujas folhas de pagamento consomem 2/3 do orçamento. A seguir vem os serviços terceirizados e a "merrequinha" que sobra vai para os medicamentos. Organizações voltadas para o bem estar próprio, aleijadas, pois já perderam as mãos. As mãos samaritanas.

Se eu pudesse viver 100 anos, gostaria de gastar todos esses dias envolvido com a vontade do Senhor. No ano de 2001 eu estava desempregado. Há nove anos desempregado. De repente recebo a carta de um preso em minha casa. Não tinha dinheiro para comprar literatura nem enviá-la pelo correio para as pequenas Igrejas do Cárcere entre as Penitenciárias do Estado de São Paulo. Mas era o serviço que o Senhor tinha reservado para que eu fizesse. Então, por dois anos e meio eu andei pelas Igrejas da Zona Sul da Capital paulista atrás de revistas usadas de Escola Dominical. Cada caixa que despachava para a prisão era uma alegria muito grande. Mesmo que à volta as pessoas criticavam, desaprovavam, eu dormia sem dinheiro, mas acordava com alegria por causa da presença de Deus. Eu fazia o que Ele queria, e por causa disso a alegria do Senhor era a minha força.

Se eu pudesse viver 100 anos, gostaria de praticar a política todo dia. O Brasil é muito rico, mas tem um povo pobre. Muitos brasileiros, parafraseando o falecido Dr. Enéas Carneiro, na verdade ainda não foram promovidos a pobre, pois ainda estão na miséria. Eu vejo isto cinco dias por semana, a caminho do trabalho. Pessoas dormindo à beira das calçadas, embaixo dos viadutos, às vezes sem nem um jornal para cobrir o corpo nesses dias frios. É preciso de um coração com muito amor para tirar essas almas do chão da rua para sejam pelo menos promovidos a "pobre". Curiosamente o Orçamento da nação passa da casa dos 1,477 trilhão; do Estado de São Paulo de 140,6 bilhões e da Capital paulista de 34,6 bilhões. Estes recursos precisam chegar até onde são necessários, sem entender o conceito pleno de cidadania nem a missão de autoridade política ocorre algo paradoxal: há o dinheiro, mas não existem pessoas que concebam projetos e briguem para que os recursos sejam executados no destino. E isso pode ser feito sem ser um representante político, apenas exercendo uma cidadania, digamos samaritana.

Por fim, se eu pudesse viver 100 anos, gostaria de vivê-los todos os dias cercado de crianças, para viver cercado de gente que fala o que pensa sem esconder a verdade. Que ainda sabem demonstrar carinho e amor sem nem saber o significado dessas palavras. Não podemos ser avatares de nós mesmos. Atores. Precisamos ser agentes; agentes do amor de Deus; agentes da Compaixão de Deus. Mas para isso precisamos aprender como chegar mais perto de Deus, para que sua presença nos ensine a olhar e ver, ouvir e escutar, alegrar com os que riem, e chorar com os que choram. E o que posso fazer para me aproximar dele, se é o querer Dele que decide se posso ou não? Há tantos mais santos que eu, por que seria eu presunçoso ao ponto de sonhar com a presença de Deus em mim, como foi na vida de Paulo e Moisés? O que eu sei é que estas coisas não vão fazer de mim uma pessoa que todos queiram abraçar, como o próximo vitorioso ao Planalto.

Seu eu pudesse viver 100 anos, e conseguisse que todos meus desejos se cumprissem, eu certamente precisaria enfrentar o fato de que morreria feliz, apesar de só, pois olhando para o passado, o mundo somente ama aquilo que é seu. Mesmo sabendo disso, teria valido a pena.


cruzue@gmail.com
SP.30.10.2010.

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