domingo, 21 de setembro de 2008

O perigo da fama

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Sabendo, pois, Jesus que estavam para vir com o intuito
de arrebatá-lo para o proclamarem rei, retirou-se novamente,
sozinho, para o monte.
(João 6:15)
João Cruzué

Esta semana estive pensando como escrever uma mensagem sobre a fama e a vida espiritual. Eu gosto de escrever mensagens que provocam primeiro a minha mente e depois falam ao meu coração. Se falam comigo também podem ser úteis para você. O que a fama tem de tão perigosa que até o próprio Cristo conscientemente a evitava? Quero compartilhar neste texto o resultado de minhas reflexões.

Bem cedo em seu ministério, Jesus sofreu o assédio do diabo propondo-lhe ser rico e famoso. Durante aqueles dias de tentação no deserto, o diabo levou-o para um alto monte, e de lá, mostrou-lhe a glória de todos os reinos deste mundo e fez uma proposta tentadora: "Tudo isto lhe darei, se prostrado me adorares. Eu creio que esse ataque do diabo era fruto de um planejamento exímio, cuidadosamente revisado por muitos milhares de anos da experiência maligna na "arte" de derrubar os homens. Em todos os três ataques satã usou das sagradas letras para confundir o Cristo, o que nos dá uma pequena mostra de que em matéria de teologia o diabo conhece tudo. Neste ponto, puxo por um assunto paralelo: nunca na história da Igreja o conhecimento das escrituras esteve tão à mão, disponível para quem quiser se aprofundar. São dezenas e dezenas de enciclopédias, dicionários bíblicos, comentários, bíblias de estudo para várias correntes de interpretações e vertentes teológicas.

O que tanto conhecimento pode fazer? Transformar um novo convertido em um doutor em divindade? Sim! Mas nisso também pode estar uma armadilha do diabo. Acúmulo de conhecimento não significa acúmulo de sabedoria. O excesso de conhecimento pode inchar as pessoas predispostas à presunção, à soberba e à morte espiritual. Entendo que foi nisso que "aquele" querubim ungido caiu. E também foi enaltecendo o grande conhecimento que havia no fruto da árvore da ciência do bem e do mal que aquele mesmo "querubim" trouxe o mal e a morte para desgraça da humanidade. O Apóstolo Paulo entendeu isso quando aconselhou a aquisição do saber com temperança, e não ir além dos limites de cada um.

"Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração pois é dele procedem as saídas da vida". E mais "Enganoso é o coração e mais perverso do que todas as coisas" Livro de Provérbios. O orgulho é um pecado que nasce e toma forma no coração, até o momento que a pessoa se acha como Deus. O sucesso e a fama no meio religioso tem servido de âncora e farol para a idiossincrasia de muita gente. É muito mais atrativo pregar um "evangelho" que vá ao encontro das necessidades de conforto e riqueza humanos do que o legítimo Evangelho. A carroça à frente dos bois. Nos últimos dias do cárcere do apóstolo Paulo em Roma, isto ficou patente. Paulo morreu sozinho, abandonado e desprezado. Por que? Porque o evangelho que pregava era "diferente" dos novos "senhores" da Igreja. Segundo eles, Paulo era um fracassado, um home sem fé, um pastor que não prosperou!

A fama é mais perigosa que a tribulação. Durante a tribulação temos a promessa da presença e da consolação de Jesus. Nos tempos de fama, o mais provável que aconteça e sermos assediados por uma multidão de bajuladores, interesseiros, maus conselheiros e mercadores de todo o tipo. Fato interessante é que Jesus não só evitava conscientemente como de vez em quando se retirava estrategicamente das oportunidades de sucesso principalmente político. A fama deve ser um atributo com um poder destrutivo tão grande, ao ponto do filho de Deus evitá-la.

Há um exemplo a analisar em Marcos 7:31-36: "E ele, tornando a sair dos termos de Tiro e de Sidom, foi até ao mar da Galiléia, pelos confins de Decápolis. E trouxeram-lhe um surdo, que falava dificilmente; e rogaram-lhe que pusesse a mão sobre ele. E, tirando-o à parte, de entre a multidão, pôs-lhe os dedos nos ouvidos; e, cuspindo, tocou-lhe na língua. E, levantando os olhos ao céu, suspirou, e disse: Efatá; isto é, Abre-te. E logo se abriram os seus ouvidos, e a prisão da língua se desfez, e falava perfeitamente. E ordenou-lhes que a ninguém o dissessem;mas, quanto mais lhos proibia, tanto mais o divulgavam." Pelo que conheço de Jesus, não usaria de esperteza, proibindo algo para que conseguisse um resultado eficiente. Por que neste e em outros casos ele intencionalmente evitava a publicidade? Entre duas interpretações: evitar a morte prematuramente e estar atento aos perigos da fama, eu ficou com o segundo.

A fama pode levar ao orgulho, o pior dos pecados. Aquele que leva homens e mulheres a afirmar nesciamente que não existe Deus. Para si eles são os próprios deuses. Que Deus está dentro de cada um, que as ações de cada um são atos divinos. Quando Elvis Presley tomou contato com a teosofia ficou confuso e definitivamente desviou-se, ao tornar-se simpático aos ensinos de seu cabeleireiro, que afirmava que os homens eram parte de Deus e não suas criaturas.

Deus o criador não se deixa escarnecer, nem divide conosco a glória que é para Si. Uma das maiores vulnerabilidades que a fama traz é quanto ao posicionamento das pessoas. Creio que na mente de um pregador, pastor ou bispo famoso instaura-se uma confusão inconsciente. A perda dos velhos limites. O vício de inovar em com a introdução de coisas que parecem bíblicas, mas não são. As verdades bíblicas não são confusas nem carecem de exercícios desgastantes para sua compreensão. Arrependimento, fé, humildade e presença de Deus. "Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e as demais coisas vos serão acrescentadas". "O Senhor é meu Pastor e nada (de básico) me faltará. "Na minha angústia clamei ao Senhor e Ele se inclinou para mim, e ouviu o meu clamor." Mas estas coisas são "simples" de mais para quem atingiu o "topo". Os novos "Herodes" querem ser ouvidos como vozes de deus!

E durante a última páscoa, Jesus tirou as vestes, e tomando uma toalha, cingiu-se. Depois deitou água em uma bacia e começou lavar os pés dos discípulos. No final do lavapés, comentou: "Ora, se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós também deveis lavar os pés uns aos outros. Porque eu vos dei exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também.

Tenho assistido em minha vida cristã uma sucessão de quedas de grandes homens que se embaraçaram nos cordéis da fama. Creio que nós humanos temos um fascínio por ela. Parece que, quando bate a nossa porta, procuramos agarrá-la com todas as forças. Isso me lembra uma certa leitura de como certos macacos eram facilmente capturados por uma armadilha muito eficiente. Dentro de uma cumbuca, era colocado uma pedra brilhante. Aquela armadilha era deixada no Depois que agarrava o objeto de seu desejo, não conseguia mais se soltar, entregava sua liberdade por ela.

A fama pode levar um cristão ao desvario. Ao receber para si a glória que é de Deus, ele fica à mercê do diabo. É público o testemunho que dou. Certos pastores no afã de fazer publicidade de suas Igrejas associam curas e milagres de seus ministérios aos nomes de suas igrejas. Uma vez isto feito, seus discípulos repercutem aquele erro. Quando vejo algum pregador ou pastor em grande destaque, principalmente na mídia nacional, preocupo-me. O sucesso dele faz com que suas atitudes, acentuação de voz e até "as línguas" estranhas que fala, sejam amplamente copiados. Por exemplo: já perdi a conta de quantos "charabacandas" tenho ouvido de pregadores.

A fama costuma produzir uma falsa sensação da aprovação total de Deus. Como na parábola do rico e do Lázaro proferida por Jesus, em que o rico acreditava que sua prosperidade era a garantia de uma vida que agradava a Deus. Em nossos dias a leitura de Romanos 12:16: "Sede unânimes entre vós; não ambicioneis coisas altas, mas acomodai-vos às humildes; não sejais sábios em vós mesmos, soa assustadoramente "antiquada". Da mesma forma, a ditadura da "lei de gerson" vem associando virtude a comportamento de "trouxas", pois o mundo é dos "espertos." O arcabouço dos príncípios morais e éticos cristãos, principalmente entre o povo evangélico aluí-se. E o diabo tem derrubado e, infelizmente, ainda vai derrubar grandes líderes e os melhores príncipes da palavra de nossos púlpitos.

Sei que este artigo não vai mudar o entendimento de quem já tomou a decisão de usar a publicidade em todas as oportunidades que tiver, para "pregar" o Evangelho. Mesmo naquelas em que o Senhor não aprove. Saiba definitivamente que notoriedade e a fama não eram perseguidas pelo Mestre. Porque orava e consultava ao Pai antes de qualquer decisão ele sabia quais portas estavam abertas e quais deveria esperar ou evitar. Se você ultrapassar o limite e saltar o "muro", Deus não será mais responsável pelos seus atos nem pela sua ruína. Medite bem: "Pois que aproveitaria o homem ganhar o todo o mundo e perder a sua alma?" Sem mencionar o nome de ninguém, "Aquele, pois, que cuida estar de pé, olhe não caia"


João Cruzué - Olhar Cristão
SP 20.09.2008
cruzue@gmail.com

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quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A maioria pode estar errada

De que lado você está?

Christ Passion
carregando a cruz de muitos
João Cruzué

A voz do povo é a voz de Deus. Não é isso que estamos acostumados a ouvir? Depois de muitas vezes repetido, será que este clichê resistirá a uma análise bíblica? Sinto muito em dizer, mas vou ser um desmancha-prazeres, ou melhor, um destruidor de sofismas. Muito raramente, na história dos personagens e fatos bíblicos a voz do povo era a voz de Deus nem a razão estava com a maioria. Vamos analisar, então, este assunto a luz da Bíblia.

Até construir, betumar e encher a arca com animais, Noé e sua família levou muitos anos. Apesar de Deus ter ordenado a Noé que juntasse sete casais de animais limpos para um casal de animais não limpos, a ordem para colocá-los na arca veio somente sete dias antes do dilúvio. Pedro fala claramente que Deus aguardava com longanimidade uma mudança de atitude da maioria dos vizinhos de Noé, durante o tempo que este construia a arca.. Somente oito pessoas entraram na nela, porque a maioria era incrédula. Somente percebeu que estava enganada quando nada mais podia ser feito. O dilúvio se abateu sobre todos eles, quando a porta da arca estava fechada. Noé a fechou por dentro, e Deus a fechou por fora, pois o tempo da graça e da oportunidade de arrependimento tinha se esgotado.

Quando Deus prometeu a Abraão e Sara que teriam um filho na velhice, eles acharam graça da promessa. Nunca contaram para ninguém porque achavam aquilo, sinceramente, uma coisa ridícula. Quando Sara, então, ouviu essa promessa em Gênesis 18, ela começou a rir. Mas para que nunca se esquecesse da sua incredulidade daquele momento, um ano depois teve de batizar o filho com o nome de Isaque, que significa riso.

O Êxodo dos judeus do Egito para terra de Canaã teve vários episódios em que a maioria ou estava enganada ou fracassou. Quando Moisés se apresentou diante do faraó do Egito para pedir que deixasse o povo de Israel ir ao deserto sacrificar ao Senhor, tinha ao seu lado apenas Arão. O faraó simplesmente desprezou Moisés, quanto Jeová, o Deus de Israel, porque se achava o maior. Quando os doze espias foram enviados para observar a terra de Canaã, somente dez entre os doze voltaram com um relato assustador para contar. Josué e Calebe quase foram apedrejados por discordarem daquele relato, e apresentarem uma visão de fé.

Gideão era um jovem valoroso. Foi o capitão escolhido por Deus para livrar Israel dos midianitas. Dos 32.000 soldados que ele recrutou, apenas 300 ficaram para ir à batalha. Deus não contava nem confiava naquela maioria. Ao simples aviso de que os medrosos podiam voltar para casa, 22.000 não pensaram duas vezes: foram embora.

Diante do gigante Golias todo exército de Israel tremia. Do coração do rei Saul até o do mais humilde pajem de armas. A maioria aceitava passivamente as blasfêmias e ofensas diárias do gigante de boca “suja”. Bastou apenas um jovem sem nenhuma experiência de guerra para derrubar o gigante e cortar o pescoço dele. Noutra feita, fugindo da perseguição do sogro, Davi e seus 600 homens de armas voltavam para casa. A cidade de Ziclague, em I Samuel capítulo 30. Em lugar das famílias e dos filhos encontraram lares queimados, filhos e mulheres capturados pelos amalequitas. Seriam vendidos como escravos. Os 600 companheiros de Davi ficaram tão amargurados, tão revoltados por andarem com ele, que chegaram mesmo a pensar em matar Davi à pedradas. Diz a Bíblia que “Todavia Davi se esforçou no Senhor”. Enquanto o desespero tomava conta da maioria, Ele foi orar e consultar a Deus. Deus ouviu a oração de Davi e lhe assegurou a vitória para si e seus companheiros. Recuperariam tudo e trariam de volta as famílias. Foi exatamente isso que aconteceu, porque um homem entre 600 pensava e agiu de modo diferente. Deus não estava no desespero da maioria, estava com Davi. Um com Deus é maioria, e a maioria sem Deus é nada.

Nos dias de Jesus Cristo, as lideranças religiosas estavam distanciadas de Deus. Quando o menino nasceu não teve o teto nem o calor de uma casa para abrigá-lo. Com tanta gente e tantas casas em Belém o único lugar disponível para hospedar José e Maria fora uma estrebaria. Para revolucionar o mundo e manter seu nome como o maior homem que jamais pisou nesta terra, Cristo precisou de apenas 12 homens iletrados para iniciar a Igreja. Nos dias que antecederam a sua morte, ele foi julgado culpado pelos líderes do Sinédrio. O próprio Sumo Sacerdote produziu a prova que o mandou para a cruz, quando lhe perguntou se era o Filho de Deus, e Jesus lhe deu o testemunho da boa confissão, mesmo sabendo que a resposta iria sentenciá-lo à morte.. No auge do julgamento a maioria do povo, insuflada pelos sacerdotes e príncipes do povo, escolheu a liberdade para Barrabás e a morte cruz para o Filho de Deus. Nunca a maioria esteve tão longe da verdade.

São inúmeras as histórias e situações ao longo da Bíblia que mostram o perigo de se deixar manipular e levar pela voz da maioria. Mais exemplos: o Rei Saul tinha o mau costume de desobedecer à voz de Deus para atender ao povo. Jó enfrentou sozinho o ataque de cinco pessoas, manipuladas pelo diabo. Daniel e seus três companheiros enfrentaram muitos perigos. O profeta Jeremias era uma voz solitária entre tantos falsos profetas. O Apóstolo Paulo em seus últimos dias ficou só e abandonado pelos novos “donos” da Igreja que o consideravam um homem derrotado e sem fé. Por fim, alguém perguntou a Jesus: Senhor, são poucos os que são salvos? Ao que ele respondeu: Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que muitos procurarão entrar e não poderão.

Depois de tantos fatos e acontecimentos negativos patrocinados pelas “maiorias”, vamos parar um pouco e refletir. Um cristão que se julga ser fiel, sincero, reto, íntegro, temente a Deus não deve nunca tomar decisões com base na voz da maioria. A voz do povo nunca foi a voz de Deus. Muitos irmãos neste momento estão prestes a tomar decisões erradas baseados em uma falsa sensação de segurança porque estão do lado da maioria.

Se Deus não estiver no meio dessa maioria, como normalmente não está, qual será o futuro de quem fica do lado errado? Antes que participe de algo pelo qual venha a se arrepender amargamente, guarde bem isso: ouça o que diz a voz do Espírito Santo.


Mensagens bíblicas
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quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Mãos de Marta e coraçao de Maria

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Maria, Marta e Jesus.
João Cruzué
Ontem, quando
 fui à sala para orar, um pensamento veio e eu pedi ao Senhor que falasse comigo. Ao abrir a Bíblia,  antes da oração, pude perceber que Deus falou. Como sempre gosto de fazer vim até aqui para compartilhar uma mensagem interessante. Pela primeira vez percebi que há um elo muito forte entre os fatos que se passaram na casa de Marta e Maria, irmãs de Lázaro, e a parábola do bom samaritano.
--Senhor fala comigo pela sua Palavra, eu pedi. Há dias em que temos mais necessidades de orar que outros, e esta semana em especial, tem sido bem difícil, pois são vários os motivos para bater, buscar e pedir recurso onde se pode achar.
Meu antigo companheiro, auxiliar dos meus tempos de "pastor" está fazendo quimioterapia. A esposa de outro amigo de muitos anos, também jaz, há três meses, em um leito de UTI. Seu cérebro foi muitíssimo danificado com três paradas cardíacas. E isso ainda não é tudo. Um antigo Pastor, dos meus tempos de jovem, está há mais de 12 anos em uma cadeira de rodas, deprimido... Não mais lê, deixou a fisioterapia, disse-me que apenas fecha os olhos e ora constantemente. Depois de ter sofrido um derrame, teima que só voltará à Igreja depois de curado e de uma forma maravilhosa. E já se passaram mais de 12 anos, e a forma "maravilhosa" não veio. Como você pode notar, eu não conseguiria mesmo estar com a minha alma tranquila diante dessas coisas muito tristes.
Ao abrir a Bíblia, me deparei com uma página inteira do final do capítulo 10 de Lucas. Primeiro, vem o texto na casa de Marta e Maria, continuando na parábola do bom samaritano. São palavras muito conhecidas, mas que ontem se fizeram novas para mim.
A preocupação de Marta era o serviço. Andava para lá, andava para cá; imagino: arranjando lenha, assoprando brasas do fogo, limpando as panelas, assando um pão nas brasas, talvez depenando alguma ave, ou mesmo temperando a parte de um cordeiro. O tempo passava depressa,  a noite estava chegando  e nada da ajuda de Maria.
Maria esquecera-se completamente do serviço. Assentada aos pés de Jesus, (não havia nem cadeiras nem mesas altas naquele tempo e naquela cultura) ouvia com o coração ardendo as palavras do Mestre. O tempo parou para ela, como ainda acontece em nossos dias, quando a presença do Senhor se faz muito forte em algum culto.
Marta estava preocupada em servir, e Maria esquecera-se de tudo para ouvir. E ouvia, e mais queria ouvir as palavras do Senhor. Marta receosa de não dar conta do trabalho, foi reclamar ao Mestre: Senhor, não te importas que minha irmã me deixe servir sozinha? Dize-lhe, pois, que me ajude.
A comunicação é uma coisa boa; precisamos mesmo nos comunicar, mas comunhão é algo muito mais profundo. Qualquer um pode se comunicar, dizer um bom dia, uma boa tarde, perguntar pela família, reportar o tempo. Alguns podem orar acompanhados por uma hora, duas ou quem sabe até uma vigília inteira. Mas nem todos assuntos falados significam comunhão; isto é mais que sabido. Por exemplo: tenho duas filhas. Uma já se casou e a mais nova já tem namorado. Imagine que eu me assente à sala e passe a tarde inteira junto aos dois "segurando vela". Eles podem conversar assuntos os mais variados, mas diante da minha presença nenhum deles vai ter a coragem  para dizer "eu te amo".
Ano de 2008, século XXI - aqui estamos nós. Afadigados, preocupados, sem tempo, como diligentes Martas, quem sabe até dando ordens ao Senhor. É um corre-corre, um sobe-e-desce, um ensaia-ensaia, um prega-prega, um canta-canta, um ensina-ensina... Domingo, segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado e chega o outro domingo. Estamos servindo? Sim! Estamos trabalhando? Sim! Estamos nos afadigando? Muito! Mas, por que estamos ficando vazios de alegria espiritual e colhendo tão pouco?
Não temos mais tempo para comunhão com o Senhor. Não somos mais como noivos  apaixonados. Ele quer nos ouvir e também falar conosco, mas afadigados, não temos mais tempo para isso. Estamos nos enganando ao pensar que servindo dez vezes mais seremos muito mais espirituais e a Igreja, órgão, ou departamento que cuidamos vai decuplicar de tamanho. Aí começamos a fazer besteiras, pois não conseguimos mais ouvir lá no fundo do coração as orientações com Deus.

Causa.


A conseqüência disso pode ser entendida na mesma página da minha Bíblia. "Descia um homem de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos de salteadores, que o despojaram, espancaram-no, deixando-o quase morto. E, ocasionalmente, descia pelo mesmo caminho um sacerdote, que vendo-o, passou ao largo. Eis que de igual modo, também passava um levita, que também o viu e passou ao largo.
Quem são o sacerdote e o Levita? Decerto que representam os que conhecem e ensinam palavra de Deus. Apressados, estressados com a fadiga do serviço do altar, não têm mais tempo para ouvir a voz do Senhor,  por lhes falta a comunhão. Eles são como as mãos de Marta.
"Mas um samaritano que ia de viagem aproximou-se do ferido e vendo-o moveu-se de íntima compaixão". [talvez por ter sofrido no passado um ataque semelhante] "E aproximando-se, atou-lhe as feridas, aplicando-lhes azeite e vinho. E pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. E partindo no outro dia, tirou dois dinheiros, deu-os ao hospedeiro e recomendou-lhe: Cuida dele, e tudo o que mais gastares, eu to pagarei quando voltar". Aqui o temos um resultado diferente, pois atuaram em conjunto o "coração" de Maria com as "mãos" de Marta.

Os três personagens viram a mesma cena, mas suas atitudes foram inesperadas. Os dois primeiros julgaram que sua religião ou seus afazeres eram mais importante e tinham prioridade sobre um estranho caído no chão. O serviço na frente do amor. O primeiro era um ministro a serviço do altar e o segundo um servidor do templo. Seus olhos não mais se comunicavam com o coração. Em algum lugar de suas vida eles perderam a compaixão e tornaram-se insensíveis às necessidades alheias e à voz do Espírito Santo. Do samaritano poderia se esperar tudo, menos compaixão. Dos religiosos, tudo, menos omissão. Atitudes inesperadas!
E foi assim que entendi,  antes de começar minha oração, que não importa quão engajados nós estejamos em grandiosos projetos aos olhos alheios ou dos nossos próprios olhos. Há uma grande multidão muda, surda, padecendo grande miséria ao nosso redor. Se dermos prioridade somente às coisas que nos interessam, e relegarmos ao secundário os momentos que precisamos passar a sós com Deus, para ouvir a Sua voz e fazer a sua vontade, ficaremos irremediavelmente secos de compaixão.

Por isso, vamos colocar o título da mensagem na ordem correta: "Um coração de Maria nas mãos de Marta". Primeiro a comunhão e depois o serviço religioso.


Mensagem revisada em 13.01.2014.